O que Lula e Bolsonaro têm em comum? Calma. Não faremos defesa ou detração de nenhum dos dois – muito menos faremos o papel “isentões” aqui. Só vamos relatar um fato: ambos os políticos se apropriaram do Arquétipo do Cara Comum, em momentos e de maneiras distintas.

Desde os chats ao redor das fogueiras feitos pelos homens das cavernas até as redes sociais e grupos de WhatsApp – passando pelas salas de bate-papo e ICQs da vida – , o desejo de se conectar, interagir e pertencer a um grupo tem sido um impulso primordial.

O Cara Comum mostra a beleza e as virtudes de ser uma pessoa comum, igual às outras.

O arquétipo do Cara Comum está presente no samba, no carnaval nos grandes festivais de música e nas arquibancadas dos estádios de futebol.

Todos conhecemos o desespero dos adolescentes para se encaixarem em um grupo. Esse senso de solidão e exclusão é o gatilho para o grande apelo do Cara Comum.

O Cara Comum é o arquétipo fundamental da democracia, com o preceito básico de “um homem, um voto”.

Os chamados movimentos “identitários” também se apropriam do arquétipo do Cara Comum – e nos fazem lembrar que, na vida real, sempre vai existir uma hierarquia de valores, o que exclui algumas pessoas, por mais amorosa que possa ser sua retórica de inclusão.

Nas antigas culturas indígenas, ser exilado era a pior das penas: significava que você ficaria sozinho na floresta, vulnerável a todo tipo de predadores. Na prática, esse exílio significava o mesmo que uma sentença de morte.

O desejo de pertencimento a um grupo, presente no arquétipo do Cara Comum, também está relacionado ao que Freud chamou de “narcisismo das pequenas diferenças”, ou seja, tudo o que pode levar um grupo, tribo ou região a se incomodar com meras e minúsculas diferenças entre seus membros, que podem acabar se transformando em antipatias ou rixas. Pense nas antipatias entre vizinhos, na rivalidade entre torcedores de times de futebol ou na polarização política existente hoje no Brasil.

Desse modo, a filiação a um grupo geralmente se expressa através do uso de bonés, camisas, bandeiras, adesivos de carro, estilo de vida, automóvel, moradia e/ou modo de falar.

Desejo básico: conexão com os outros.
Meta: pertencer, adequar-se.
Medo: destacar-se ou parecer que está se dando ares de importância e, por isso, ser rejeitado ou exilado.
Estratégia: desenvolver sólidas virtudes comuns, mesclar-se.
Armadilha: Abrir mão de si mesmo para se mesclar, em troca de uma conexão superficial.
Dom: realismo, empatia, ausência de vaidade.
O Cara Comum também é conhecido como o bom companheiro, a garota média, o Zé-povinho, o homem comum, a moça da porta do lado, o realista, o trabalhador e o bom vizinho.
Lema: “Todos os homens e mulheres são criados iguais”.

As marcas do Cara Comum

O Cara Comum odeia ostentação, propaganda enganosa, fanfarronice e pessoas que se dão ares de importância. Assim, as marcas do Cara Comum quase sempre possuem uma qualidade caseira e artesanal, que faz com que as pessoas as vejam como autênticas.

A marca Ricardo Eletro é um ótimo exemplo, com seu nome simplório e seu fundador, Ricardo, frequentemente aparecendo direta ou indiretamente nos comerciais.

Lula e Bolsonaro já foram citados. Não nos aprofundaremos na análise dessas brand personas para não suscitar paixões nos nossos leitores. =)

A VISA, ao se diferenciar da imagem elitista da American Express, também adotou o Cara Comum, focando no target das pessoas comuns e no uso rotineiro de seu cartão de crédito. Assim como a pessoa comum, VISA está em toda parte.

A Wrangler Jeans protegeu sua identidade de marca do Cara Comum evitando sabiamente os modismos e permanecendo a marca preferida de quem realmente ama o estilo caubói. A empresa está associada aos caubóis, às regiões rurais e aos produtos autênticos, bem-feitos e livres de propaganda enganosa.

Os anúncios da GAP nos EUA mostram jovens comuns dançando com total relaxamento e claramente desfrutando a “banalidade” de estarem juntos e felizes. Esse tipo de anúncio faz contraste com os anúncios de outras marcas de moda do Explorador, que visam a alienação juvenil, ou do Amante, que mostram imagens de jovens como objetos deprimidos, porém sexy (praticamente todas as marcas de perfume seguem essa linha).

As marcas do Cara Comum também confortam as pessoas, afirmando que tudo bem elas serem do jeito que são. Marcas de roupas de tamanhos grandes, como Just my Size (no Brasil, marcas como Big Shirts, Mais Pano e Riachuelo Plus Size), mostram que pessoas gordinhas podem se vestir – e se sentir – bem.

O anseio por pertencimento é o que faz com que as pessoas se tornem amigas das marcas. É também o que faz as pessoas se engajarem com os conteúdos das marcas ou com causas políticas e sociais.

Os níveis do Cara Comum

Motivação: solidão, alienação.

Nível 1: o órfão que se sente abandonado e sozinho, buscando filiação.

Nível 2: a pessoa em busca de sua tribo, que está aprendendo a se conectar, se encaixar, aceitar ajuda e amizade.

Nível 3: o humanitário, que acredita na dignidade natural de todos os seres independentemente das capacidades de cada um ou das circunstâncias.

Sobra: a vítima que prefere sofrer abuso a ficar sozinho; ou membro do “bando de linchadores”, disposto a praticar qualquer ato a fim de pertencer à gangue.

O Cara Comum oferece uma boa identidade para marcas:

– Cujo uso ajuda as pessoas a pertencerem, ou a sentirem que pertencem, a um grupo definido.

– Cuja função tem uso comum na vida cotidiana.

– Com preços baixos ou moderados (ou que seja a versão aperfeiçoada de um produto que normalmente seria barato).

– Produzidas ou vendidas por uma companhia que tenha uma cultura organizacional orientada para os elementos de simplicidade da vida rural.

– Que queiram se diferenciar, de maneira positiva, das marcas mais caras ou mais elitistas.

Serão publicados artigos para cada um dos arquétipos. Clique aqui para ler o artigo sobre o o Arquétipo do fora da lei.

Ou clique aqui para ler o artigo sobre o Arquétipo do Explorador.

Clique aqui para ler o artigo de introdução aos arquétipos de marca.

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Sobre o autor:
Tito Santos é Co-Founder e CEO da Agência Azul. Desde 2008, quando fundou a Azul, vem ajudando a construir o sucesso de marcas como como Uncle Ben’s (Mars), Twentieth Century Fox, Amil (UnitedHealth Group), FQM Melora, Cervejaria Devassa (Heineken), Rede D´Or, Bodytech, Shopping Leblon e Editora Record, dentre outros.